Análise: Venezuela será campo de batalha do Foro de São Paulo

John Bolton na Casa Branca: Venezuela será teste derradeiro. do Foro. Foto: Evan Vucci/AP

John Bolton na Casa Branca: Venezuela será teste derradeiro do Foro.

Foto: Evan Vucci/AP

A VENEZUELA FOI O PRIMEIRO país a ser governado por um integrante do Foro de São Paulo após sua criação, em 1990. E um conflito internacional faz dela hoje o teste derradeiro dessa aliança.

I. Contexto

Nesta segunda-feira (28) o assessor de segurança nacional dos EUA, John Bolton, deu uma coletiva de imprensa na Casa Branca. Dois televisores exibiam um mapa-múndi. Países que apoiam Nicolás Maduro estavam destacados em vermelho; os que reconhecem Juan Guaidó como chefe do país, em azul.

Presidente da Assembleia Nacional, Guaidó se autoproclamou presidente da Venezuela na última quarta (23). O entendimento é de que o cargo se encontra vago após as eleições presidenciais fraudulentas vencidas por Maduro. Em reunião do Conselho de Segurança da ONU no sábado (26), o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, chamou Maduro de “ex-presidente”. Assista abaixo:

Pompeo também destacou a influência de Cuba sobre a Venezuela:

“(…) nenhum regime se empenhou mais em sustentar a condição tenebrosa do povo venezuelano do que o regime de Havana. Durante anos, os capangas da segurança e inteligência cubanas, convidados pelo próprio Maduro e seu círculo a entrarem na Venezuela, sustentaram esse domínio ilegítimo. Eles treinaram os capangas da segurança e inteligência de Maduro nas piores práticas utilizadas em Cuba. O Ministério do Interior de Cuba ainda fornece ao – fornece ao ex-presidente Maduro a sua segurança pessoal.  Membros dessa organização frequentemente utilizam seus microfones, aqui, para condenar a interferência externa nos assuntos internos. Sejamos bem claros: o poder externo que atualmente atua na Venezuela é Cuba”.

II. O Foro de São Paulo

Cuba não exerceu essa influência na Venezuela e em toda a América Latina por telepatia. Um de seus principais instrumentos foi o Foro de São Paulo.

Em 2005, o então presidente Lula fez um discurso no qual admitiu a coordenação entre companheiros na realização do referendo, realizado no ano anterior, que manteve Chávez no poder após um pedido de “recall” por parte da oposição: “[f]oi assim que nós pudemos atuar junto a outros países com os nossos companheiros do movimento social, dos partidos daqueles países, do movimento sindical, sempre utilizando a relação construída no Foro de São Paulo para que pudéssemos conversar sem que parecesse e sem que as pessoas entendessem qualquer interferência política”. Nesse trecho, Lula cita o assessor Marco Aurélio Garcia, e não o então ministro Celso Amorim.

No começo deste ano, o Grupo de Lima e depois a OEA avisaram que não reconheceriam o novo governo Maduro. O México se absteve das duas declarações. E por quê? Porque o presidente López Obrador é do partido Morena, filiado ao Foro de São Paulo, e agora o México tenta ser o novo líder da coalizão de esquerda. Na OEA, Nicarágua e Bolívia – governadas por sócios do Foro – votaram contra.

Em julho de 2018, Dilma e Gleisi foram ao encontro do Foro de São Paulo, em Havana. Na reunião ficou decidido que a próxima seria em Caracas. A Declaração Final expressa apoio aos governos de El Salvador, Nicarágua e Venezuela, todos os quais já usavam de violência contra a oposição. Há duas semanas, Gleisi foi à nova cerimônia de posse de Maduro.

III. A reação contra o Foro

A Associated Press publicou no sábado (26) que semanas de negociações e viagens secretas foram necessárias para formar a coalização pro-Guaidó. É verdade, mas a decisão de países da região não reconhecerem o novo governo Maduro já era pública desde 8 de dezembro, quando o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) anunciou esse passo na Cúpula Conservadora das Américas, em Foz do Iguaçu (PR).

Com efeito, no mesmo texto a AP conta que a Casa Branca redobrou seus esforços para “não ficar por trás” no enfrentamento a Maduro depois da reunião do Grupo de Lima, em 4 de janeiro. A declaração de John Bolton de que os EUA também não reconheceriam o novo governo veio sete dias depois.

No sábado (26), Maduro recuou de sua decisão de expulsar os diplomatas americanos da Venezuela e anunciou um prazo de 30 dias para negociar com os Estados Unidos.

Mas a pressão continua crescendo. Bolton afirmou na segunda-feira (28) que “todas as opções” estão na mesa a respeito da Venezuela. Ele aparece em fotografias com um bloco de notas onde se lê “5,000 troops to Colombia”. Anunciou novas sanções contra a Venezuela. O governo vai congelar US$ 7 bilhões em ativos da PDVSA nos EUA e bloquear o acesso a outros US$ 11 bilhões em receitas de futuras vendas de petróleo. O Banco Central do Reino Unido também fez sua parte e negou a Maduro acesso a US$ 1,2 bilhão em ouro que a Venezuela tem de depósito.

IV. O futuro

Maduro não está isolado. Tem o apoio de duas grandes potências, Rússia e China, razão pela qual o Conselho de Segurança não votou nada no sábado (colocar Venezuela na agenda já foi uma vitória para os EUA).

Em novembro de 2018, o presidente do Parlamento da Coreia do Norte, Kim Nong Yam, visitou Nicolás Maduro em Caracas. Ele também realizou visitas oficiais a Cuba e México, estando presente na posse de López Obrador.

Em dezembro, Maduro visitou Putin em Moscou. Putin condenou “qualquer tentativa de mudar a situação pela força”. Dias depois, dois bombardeiros russos Tu-160 pousaram em Caracas para um exercício militar conjunto.

Outro apoio de peso é o da Turquia. Recep Erdogan esteve na Venezuela no mês passado. Na quinta (24), pediu que seja respeito o resultado das eleições – pouco depois de voltar ele próprio de uma viagem à Rússia.

Fundado pelo PT de Lula e pelo PCC de Fidel Castro no finzinho da Guerra Fria, o Foro de São Paulo nunca foi exclusivamente latino-americano. As derrotas eleitorais da esquerda no continente abriram caminho para uma coalizão anti-Foro – a “turma da Cúpula” – à qual agora se juntam os Estados Unidos de Trump no esforço de mudar o regime na Venezuela. O primeiro país conquistado pelo Foro após sua criação.

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