O GOVERNO FEDERAL está dividido hoje em duas alas: os ‘flavistas’ e os ‘carlistas’. Os flavistas – como Flavio Bolsonaro (PSL-RJ), Joice Hasselmann (PSL-SP) e Paulo Eduardo Martins (PSC-PR) – advogam uma relação amistosa com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e mostram certo compromisso em aprovar a reforma da Previdência. Importante: de forma clara e dispostos a dividir seu custo político.
A ala carlista é a dos ‘jacobinos’ ou templários. São os radicais que entendem que o ‘Mito’ representa a ‘Nova Era’ (palavras deles) e veio para romper com a velha política. O entendimento é o seguinte: o poder é todo do Presidente e a responsabilidade é toda do Congresso.
Nesta sexta (22), o assessor internacional da Presidência, Filipe Martins, expôs o pensamento de combate ao establishment desde dentro do Palácio do Planalto.
Segundo Martins, “há uma flagrante tentativa de isolar a ala anti-establishment do Governo Bolsonaro”. Uma “ala anti-establishment” dentro do governo é um conceito e tanto, mas vamos seguir.
Essa tentativa seria “a maneira mais eficaz de quebrar a mobilização popular que tornou possível a vitória de um candidato outsider—sem alianças com os donos do poder e sem recursos além de uma multidão de apoiadores”. Sim, isso mesmo: um deputado de baixo clero por sete mandatos, que tem Onyx, Tereza Cristina e Mandetta como ministros e que teve Paulo Guedes e líderes evangélicos como cabos eleitorais é um “outsider” que não fez qualquer aliança com “os donos do poder”.
Segundo Martins, “as principais propostas do governo—na economia, na justiça, na política e em todas as outras áreas—representam desafios claros e frontais ao poder estabelecido, às oligarquias dominantes, ao sistema de privilégios e ao sindicato do crime”. É um conceito interessante, já que o próprio Presidente e seus principais aliados não fazem campanha pela reforma da Previdência, que até agora não foi objeto de suas ‘lives’ ou ‘mitadas’. Também não ficou claro como um governo combate o “poder estabelecido” defendendo o leite em pó made in Brazil ou tentando usar o MEC para fazer vídeos de propaganda.
“Assim”, prossegue Martins, “tentam vender p/ a equipe econômica a ilusão de que é possível romper com o sistema patrimonialista que existe há 500 anos, desde as Capitanias Hereditárias, por meio da cooperação ativa com os oligarcas e sem romper com a forma convencional de fazer política no Brasil”. Lembram-se do “Brasil dos 500 anos contra o Brasil dos 12”, elemento usado na campanha de reeleição de Dilma, em 2014? O bolsonarismo assume de vez sua vocação petista: o governo de Jair Bolsonaro veio para redimir o Brasil de sua própria história.
E como fazer isso? “Recorrendo à enorme mobilização popular que só a agenda de idéias (sic) e valores da ala anti-establishment do governo é capaz de liberar”. Sim, é isso mesmo. O brilhante analista confia na capacidade de um governo cuja aprovação acaba de despencar no Ibope em mobilizar o povo pela “agenda de ideias e valores”.
Depois prossegue: “Do mesmo modo, tentam vender para a equipe do Ministério da Justiça a ilusão de que representantes da velha política e membros da elite oligárquica que se beneficiam dos esquemas da corrupção e do crime organizado vão aprovar o pacote anti-crime, desde que haja diálogo”. Sublinho: “desde que haja diálogo”! Se o pacote não for aprovado com diálogo, qual a alternativa…?
No tweet seguinte, Martins escreve que “O establishment também tenta promover essa perspectiva porque sabe que sem um apoio popular massivo (sic), destravado sobretudo pela ala anti-establishment do governo, não será possível manter a Operação Lava-Jato”. É a mesma tática usada por petistas: a de que Dilma era a única capaz de manter a Lava Jato operando. Cabe ao “coroné” (ou capitão) manter o combate à corrupção, e não ao MPF, à Polícia e aos juízes.
Assim, urge o assessor: “Essa situação revela a urgência de uma coordenação efetiva entre as diferentes alas do governo p/ trazer o apoio popular p/ dentro da equação (…) A única forma de ativar a lógica da sobrevivência política é por meio da pressão popular, por meio da mesma força que converteu a campanha eleitoral do PR Bolsonaro em um movimento cívico e tornou possível sua vitória. É necessário, em suma, mostrar que o povo manda no país”.
É a mesma tese que Olavo de Carvalho usou se para se opôr ao impeachment: em vez de recorrer às instituições para que Dilma fosse deposta de acordo com a Constituição, “o povo” deveria, de alguma forma, depôr toda a classe política e todo o STF. Ocorre que o próprio Olavo curte muito, em suas aulas, falar da necessidade de analistas e agentes políticos identificarem “meios de ação”. Ele zomba de quem não leva em conta os “meios de ação”. Quais “meios de ação” estão disponíveis, no impeachment ou agora, para “mostrar que o povo manda no País”?.
Os jacobinos, templários, carlistas ou como quer que sejam chamados estão advogando a mesma estratégia dos pretensos revolucionários de 2013 (ironicamente ou não, diagnosticada e explicada por um amigo de Martins): é preciso botar o povo na rua para fazer a classe política tremer, gerar o caos para desautorizar as instituições e entregar todo o poder ao Executivo, afinal de contas o Congresso é composto da “velha política” que vem desde as capitanias hereditárias, e os deputados e senadores foram parar lá por abiogênese.
As reformas deverão ser aprovadas a fórceps. O Congresso é um mero escritório de despachantes da vontade soberana do povo, representada exclusivamente no Palácio do Planalto (e no celular de um vereador do Rio).
É difícil pensar em algo mais escandalosamente petista. A diferença foi substituir os ‘conselhões’ pela turma do Twitter e grupos de WhatsApp. Não há qualquer dúvida de que, muito em breve, os intelectuais bolsonaristas irão propor uma nova Constituição.
Há, obviamente, vários erros de análise. O mais importante, para usar um termo olavista, é que faltam “meios de ação”. A aprovação do governo é agora de apenas 34%. E os protestos de rua a favor da Lava Jato (bem menos controversa do que o governo) no último domingo foram bem minguados. Claro, qualquer “análise” no mundo do Twitter mostrará um cenário muito mais “real”, no qual o povo está firme na defesa do seu heroico Presidente. É engraçado, já que, ao deletar o vídeo do golden shower, ele acaba de passar a borracha no que até outro dia era chamado de bully pulpit…
No filme Monty Python – Em Busca do Cálice Sagrado os heróis se deparam com um terrível desafio: os Cavaleiros que Dizem Ni. Os templários jacobinistas aliados ao Palácio do Planalto são os Cavaleiros que Dizem Mimimi.