Esquerda curte ‘autocrítica’ porque não envolve ouvir os outros

Autocrítica significa não enfrentar as ideias dos outros. Foto: Tookapic/Pexels

A CADA MOMENTO DE CRISE, setores da esquerda intelectual voltam a falar em ‘autocrítica’. Acontece que o foco é muito mais no ‘auto’ do que no ‘crítica’.

Por que a esquerda curte tanto o termo ‘autocrítica’? Porque gosta de monopólios, incluindo o monopólio da crítica. Autocrítica, nesse contexto, significa ler e ouvir os que já pensam como a gente. Não pode incluir os outros, ler os outros, ouvir os outros… Em maio deste ano, por exemplo, Noam Chomsky defendeu em entrevista à Folha que a esquerda brasileira deveria “fazer uma autocrítica muito séria”. Nenhuma de suas recomendações inclui ler autores de direita ou tentar compreender como os adversários enxergam o jogo:

“A esquerda deveria fazer uma autocrítica muito séria, examinar o que deu errado e pensar em todas as oportunidades que foram desperdiçadas porque sucumbiu à maldição da corrupção e a planejamentos falhos. A base social precisa ser reconstruída do zero, com participação direta de comunidades e instituições. Uma das principais tarefas é reverter as políticas atuais, que têm implicações nefastas para o futuro do Brasil. Uma esquerda revitalizada deveria propor programas que emergem da deliberação popular”.

Para quê, por exemplo, ler o antigo Reinaldo Azevedo (pré-impeachment)? É muito mais confortável citar o Tio Rei somente agora, quando costuma endossar as teses petistas.

Para que entender as demandas dos que gritavam ‘Fora Dilma’? Era muito mais interessante ridicularizá-los, carimbá-los como gente que “pagou o pato” ou fiéis servos de Eduardo Cunha. Agora que ambos Cunha e Lula estão presos, apenas um tem fãs pedindo sua libertação. Mas convém não falar nisso…

Para que agir com vigorosa honestidade intelectual? É bem mais fácil aderir ao slogan da moda. O “aceita Dilma vez” vira “não vai ter golpe” que vira “Fora Temer” que vira “Lula 18” que vira “Lula livre” que vira “Ele não”. A cada temporada, o PT renova o seu “Toca Raul”.

Para que abandonar uma só tese? É menos trabalhoso insistir sempre nas mesmas ideias. Em maio de 2016, o PT lamentou não “impedir a sabotagem conservadora nas estruturas de mando da Polícia Federal e do Ministério Público” e ter deixado de “modificar os currículos das academias militares e de promover oficiais com compromisso democrático e nacionalista”.

O mesmo tipo de pensamento apareceu com destaque nestas eleições com o chamado “campo democrático”. Há apenas um grupo do lado da democracia, o que naturalmente não inclui os adversários.

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Um parêntese. Vamos imaginar que os líderes petistas realmente queiram ganhar esta eleição. A tese de que podem virar o jogo após o Ibope mostrar Bolsonaro com 59% dos votos válidos tem algo de totalitária, uma semente de Escola de Frankfurt. Nessa ideia, a opinião pública seria quase infinitamente maleável, e, com a estratégia de “comunicação” correta, seria possível aumentar a rejeição a Bolsonaro (funcionou com Marina em 2014) e até virar milhões de votos.

Em uma eleição em outros tempos, como a de Eduardo Azeredo em 1994, seria crível.

Mas o mundo não é só comunicação. É realidade, e a realidade é brutal. Mais de 50 000 homicídios por ano, petrolão, a estafa de já terem vencido quatro eleições seguidas, os desastrosos governos Dilma, programas de expansão de crédito que agora cobram a conta… e a insistência em manter candidato, até pouco mais de um mês atrás, um milionário condenado e preso por corrupção e lavagem de dinheiro.

Também no PSDB houve quem sofresse do mesmo mal, como já mostrei: querer fazer em semanas de campanha toda a oposição que não foi feita nos últimos quatro anos.

Com o anabolizante “Lula é Haddad” e “vote 13”, o PT não passaria no antidoping. Que seja. Conseguiram a prorrogação. Ocorre que, enquanto a torcida grita “eu acredito” e se desdobra para virar uns votinhos, os técnicos do time já estão pensando na temporada seguinte.

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Em agosto de 2016, o ainda prefeito Fernando Haddad disse que “[g]olpe é uma palavra um pouco dura“. Era uma concessão mínima à razoabilidade. Milhões de brasileiros foram às ruas pelo impeachment. Se o petista quiser mesmo virar esta eleição, precisará de votos dos que ajudaram a derrubar Dilma.

Pois bem. Nesta terça-feira (16), em entrevista ao Pânico na Jovem Pan, o mesmo Haddad afirmou com todas as letras: “o golpe atrapalhou tudo“. Lembra a fábula do escorpião e do sapo. Ou a campanha de Fernando Pimentel.

Após ser massacrado nas eleições de 2016, o PT investiu nas ocupações de escolas. A lógica era clara. Tendo perdido apoio entre quem tem idade para votar, o partido avançou para cima dos jovens. Agora vai repetir a dose. A Coluna do Estadão desta segunda (15) informa que “[o] PT também quer intensificar eventos em universidades federais. Coordenadores da campanha avaliam que os episódios de violência contra eleitores ajudam a mobilizar estudantes”.

Quem já investiu em campanha em universidade federal foi Dilma, que abriu o “curso do golpe” na UFMG em agosto. Com uma campanha caríssima, Dilma ficou em 4º lugar na disputa para o Senado em Minas.

Após sofrerem uma derrota estrondosa no dia 28, não tenham dúvidas de que vai ter muito intelectual petista fazendo um chamado para a autocrítica.

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