O estelionato eleitoral de Jair Bolsonaro

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Espanta a frequência com que o discurso tão duro do presidenciável não resista aos primeiros atos do presidente da República.

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Ainda em pré-campanha, Jair Bolsonaro tratava a idade mínima de 65 anos para aposentadoria como uma “falta de humanidade“. Mas, antes de completar dois meses como presidente da República, a “falta de humanidade” virou proposta da reforma da Previdência entregue por Paulo Guedes.

Não que o reposicionamento tenha sido um erro. Mas espanta a frequência com que o discurso tão duro do presidenciável seja desidratado pelos primeiros atos do mandatário.

Se Bolsonaro prometia extinguir ou privatizar a TV Brasil, o Governo Bolsonaro fala apenas em fusão com a NBR. Se garantia que não faria qualquer indulto a criminosos, assinou um “indulto humanitário“. Se alardeava que mudaria a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, “mesmo sem renunciar explicitamente à promessa“, deve deixá-la na geladeira até que seja devidamente esquecida.

Em resposta à repercussão negativa pelo recebimento de auxílio-moradia mesmo com residência em Brasília, o presidenciável prometia vender o apartamento que possuía na capital federal. O presidente, por sua vez, esqueceu-se da promessa, deixando que o filho mais novo se mudasse para o imóvel.

Essa mamata vai acabar” era um dos bordões sacados pelos MAVs bolsonaristas em 2018. Contudo, quando cobrado da nomeação de um amigo próximo para a diretoria da Petrobrás, Bolsonaro simplesmente ironizou: “Desculpa por não indicar inimigos” – para a sorte do contribuinte, a estatal reprovou a indicação dias depois.

Já no segundo turno, Bolsonaro pregava o fim da reeleição. Entretanto, ainda nas primeiras entrevistas à frente do Palácio do Planalto, deixou em aberto chance de concorrer a um segundo mandato.

O candidato passou a campanha inteira prometendo governar com um máximo de 15 ministérios, mas governa com 22 deles, uma estrutura 47% maior. O presidenciável dizia que o Brasil não aguentaria um novo governo com o PMDB, mas entregou até um ministério ao partido. Havia, claro, as juras de que a Esplanada dos Ministério seria entregue a técnicos de reputação ilibada. Quando cobrado de conduta tão virtuosa, o próprio presidente respondeu: “Eu também sou réu no Supremo, e daí?

Após severas críticas a adversários que buscaram o apoio do chamado “Centrão”, Bolsonaro repetia aos quatro ventos que governaria sem o “toma lá, dá cá“. Como? Não dava respostas claras. Recebida a faixa verde e amarela, “o governo de Jair Bolsonaro vai negociar cargos em troca de apoio à reforma da Previdência“. Inclusive, a Casa Civil do presidenciável prometia cortar 20 000 cargos no primeiro dia de governo. Estas palavras foram escritas no 56º dia, sem que qualquer notícia do tipo fosse destacada nas manchetes, nem mesmo da imprensa amiga.

Em A Revolução dos Bichos, George Orwell satirizou a União Soviética, fazendo com que porcos se voltassem contra humanos somente para, uma vez no poder, reprisarem os atos da humanidade. O Governo Bolsonaro prova que o enredo não é exclusividade do comunismo. Tanto que o clássico da língua inglesa voltou a ser um dos livros mais vendidos na versão brasileira da Amazon.

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