A Lava Jato tentou suicídio

Foto: Antonio Cruz/ Agência Brasil

Ao manipular de forma tão extravagante o processo eleitoral de 2018, a operação embriagou-se do mesmo veneno que combatia.

Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

NO BREVE ARTIGO publicado em 2004 sobre a Mãos Limpas, Sergio Moro destacava a importância de os investigadores buscarem o apoio da opinião pública. No entendimento do juiz federal, só com popularidade alta seria possível combater figuras tão poderosas. Nesta guerra, a imprensa seria convertida num instrumento de grande utilidade aos investigadores.

Os responsáveis pela operação ‘mani pulite’ ainda fizeram largo uso da imprensa. Com efeito: Para o desgosto dos líderes do PSI, que, por certo, nunca pararam de manipular a imprensa, a investigação da “mani pulite” vazava como uma peneira. Tão logo alguém era preso, detalhes de sua confissão eram veiculados no “L’Expresso”, no “La Republica” e outros jornais e revistas simpatizantes. Apesar de não existir nenhuma sugestão de que algum dos procuradores mais envolvidos com a investigação teria deliberadamente alimentado a imprensa com informações, os vazamentos serviram a um propósito útil. O constante fluxo de revelações manteve o interesse do público elevado e os líderes partidários na defensiva. Craxi, especialmente, não estava acostumado a ficar na posição humilhante de ter constantemente de responder a acusações e de ter a sua agenda política definida por outros.

A publicidade conferida às investigações teve o efeito salutar de alertar os investigados em potencial sobre o aumento da massa de informações nas mãos dos magistrados, favorecendo novas confissões e colaborações. Mais importante: garantiu o apoio da opinião pública às ações judiciais, impedindo que as figuras públicas investigadas obstruíssem o trabalho dos magistrados, o que, como visto, foi de fato tentado.

Considerações sobre a operação Mani Pulite

O roteiro delineado na citação acima antecipa em dez anos o modus operandi da Lava Jato. Que, em 2014, saiu dos gabinetes da força-tarefa para as manchetes dos principais jornais, ampliando o interesse da opinião pública no combate à corrupção. Com o tempo, viria a ser copiado por desdobramentos da operação, e por iniciativas paralelas dessa parceria entre Ministério Público e Polícia Federal.

Mas, já no primeiro ano de atividade, os investigadores permitiram-se uma jogada questionável. Restando dias para o final do segundo turno, detalhes de uma delação de Alberto Yousseff surgiram na capa da revista Veja. A manchete não seria suficiente para garantir uma derrota ao PT, mas animaria a população a externar o desejo pelo impeachment de Dilma Rousseff já na semana seguinte.

Oficialmente, a força-tarefa apenas tocava o próprio trabalho, afinal, o bom combate não podia aguardar o fim da disputa eleitoral. De tão forte, esse ideário seria convertido em filme anos depois: Polícia Federal: A Lei é para Todos. Contudo, a eleição de 2018 provaria que, como em A Revolução dos Bichos, todos eram iguais perante a lei, mas uns eram mais iguais que os outros.

À medida em que a disputa presidencial esquentava, investigações das mais variadas atingiram os candidatos que terminariam em segundo, terceiro e quarto lugar. Quando as pesquisas começaram a dar como certa uma vitória de Fernando Haddad, Moro em pessoa liberou o sigilo da delação de Antonio Palocci com detalhes sórdidos da passagem do PT pela Presidência da República. Enquanto isso, o relatório do Coaf que findaria delineando a aproximação da família Bolsonaro com as milícias cariocas dormia em uma gaveta esperando o governo de transição se iniciar.

De uma forma geral, as operações tocadas pela Polícia Federal miravam a forma como o caixa dois deturpava os processo eleitoral, fazendo com que a democracia se convertesse numa cleptocracia. Mas, ao selecionar alvos, os investigadores também manipulavam as eleições. Na prática, ao aplicar a lei apenas contra inimigos, desviavam a amigos o salário pago pelo povo brasileiro.

O segundo turno terminou em 28 de outubro de 2018. Quatro dias depois, Moro aceitou o convite para ser ministro da Justiça do vencedor. Foi além, e arrastou consigo vários membros da Lava Jato para o Governo Bolsonaro. O êxodo quebrou a confiança de tantos que se deram a defender a operação das acusações de que agia por fins eleitoreiros.

Em 14 de março de 2019, a Lava Jato sofreu no STF a maior das derrotas até então. Atos em defesa da operação foram convocados para o domingo seguinte, quando do quinto aniversário da força-tarefa. Mas tiveram baixa adesão e grotescas manifestações antidemocráticas. Enquanto isso, o bolsonarismo promovia uma lambança virtual que resultaria num inquérito da própria Suprema Corte.

Há quem interprete os acontecimentos de março de 2019 como o fim da operação. Como marca, contudo, a Lava Jato está descaracterizada desde que aceitou ser governo. E não qualquer governo, mas o Governo Bolsonaro, este que dispensa apresentações.

Assista:

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